terça-feira, 1 de agosto de 2017

Minha mãe: 

Luíza (Nideck) Raposo da Luz


Depoimento de Amélia Luz

Uma História de Vida

                                                               Minha filha: Wilmary Luz Magalhães de Soza


Algumas premiações literárias
Meu filho perdido: Fábio Luz.







                           O salto:  Projetos literários


A  CUIDADORA  DE  VERSOS 
Uma história de vida- depoimento.

Amélia Luz

                          A vida me trouxe grandes surpresas. Sempre compromissada com o lado direito dela construí família e bem cedo comecei a trabalhar. Os filhos virem e com ternura maternal procurei cumprir a doce missão de ser mãe.
                          Com o tempo aprendi que aquilo que mais amamos pode ser alvo de um grande sofrimento. Meu filho aos catorze anos, vítima de um prognóstico de nome estranho, Hebefrenia, bem depois Esquizofrenia: estranho vocabulário para mim até então. O dicionário mostrou-me o significado das novas palavras, o sofrimento veio tirar as vendas dos meus olhos cegos e mostrou-me os porões escuros de um adolescente enlouquecendo. Armei-me de todos os meios para tentar ajudá-lo, mesmo sendo uma simples professora trabalhando na zona rural de um município distante dos grandes centros.
                         Ele precisaria fazer Psicanálise que me deixou preocupada, uma vez que naquele tempo somente as grandes cidades poderiam oferecer profissionais capacitados para tratá-lo, além do meu bolso pequenino de uma professora do Estado do Rio de Janeiro. Não poderia cruzar os braços, lancei-me à sorte. Semanalmente viajava com ele para o Rio de Janeiro em busca de melhoras e terapias que pudessem ajuda-lo nos problemas de exacerbação de comportamento, com delírios, fantasias, agressividade, fugas. Um quadro muito triste que me trazia aflição diante do desconhecido. Logo ele, o primeiro aluno da classe sempre tão disciplinado, estudioso, inteligente e comportado.
                         Os conflitos em casa eram constantes entre pai e filho. O pai na sua falta de conhecimentos pensava que com surras tudo seria bem resolvido. O tempo, sim o tempo que veio mostrar que a cada dia eu teria que me revestir de muita força para ajudar aquele filho. Continuei batalhando, aprendi a lidar com a situação ajudada por uma excelente médica, a Dra. Borges que a cada encontro mostrava-me o quanto eu era importante na minha família e que se eu me perdesse todos se perderiam e afundariam comigo.
                      Aquela médica, vinda da Bahia para o Rio de Janeiro foi construindo a mãe e o filho na dependência do tratamento. Eu me alimentava das sobras do divã e esfaimada ia me fartando do pouco ou do muito que vinha no meu prato quase sempre vazio de boas informações.
                    Não só o meu filho como também a minha mãe que morava conosco sofria do Mal de Pânico que mais tarde passou ao Mal de Alzheimer e a perda da memória precisando da minha tutela permanente por onze anos. Nessa altura a médica que no início me apoiara havia se mudado para outra capital mais distante e eu havia trocado de médico estando agora aos cuidados de outro, O Dr. Malveze, um anjo de Deus na minha vida que pode dar, com competência e dedicação, continuidade ao tratamento daquele filho e agora daquela mãe/avó na Psiquiatria levada a sério.
                       Ele foi tratado dos catorze aos quarenta e quatro anos quando, por septicemia faleceu em um dia de desaviso. Sepultei aquele filho com profunda dor e sempre carregando comigo o pesado fardo de ter sido a cuidadora única daqueles dois  enfermos queridos, filho e mãe, perdidos nos meandros da doença mental, tendo eu ainda uma pesada jornada de trabalho: SEE/RJ e SEE/MG.
                             As letras, os livros, a poesia, o conto de cada dia me acompanhavam. Sempre procurava extravasar os meus sentimentos de dor nas páginas de um livro estudando sozinha, escrevendo e buscando a leveza do sonho na arte de escrever, na palavra que edifica. Superar era preciso! Era preciso ver o arco-íris mesmo em dias frios e nublados. Era preciso sorrir com todos os dentes, mesmo com lágrimas nos olhos. Era preciso estar à frente daquela família que agora tinha uma menininha crescendo e descobrindo o mundo, a minha filha.
                              Trabalhava para equilibrar com dificuldades as contas da família com muita sabedoria econômica, fazendo sempre a arte de “multiplicar os pães”. Era professora de Língua Portuguesa. Ensinava os meus meninos a pensar e a produzir textos. Voava com eles em um encantado tapete mágico esquecendo as dores da vida e trabalhando os meus projetos com a motivação de levá-los à leitura, ao mundo dos livros, às bibliotecas, à cidadania pelo saber. Foi este o meu pilar. Construir mundos na sala de aula. Partilhar o gosto pela literatura crescer e provocar o crescimento das muitas turmas que pegava de fevereiro a dezembro.
                          Meu filho morto, sepultado, minha filha crescendo, estudando, sempre independente e procurando seus caminhos com os seus próprios pés. Minha mãe envelhecendo, a doença progredindo e os anos de mocidade galopando dedicados à causa de ser a CUIDADORA deles com a ajuda dos médicos amigos que souberam me orientar, no seu exercício profissional honesto, a como sobreviver lidando nesse contexto familiar conflituoso..
                       O salto, ainda mais um salto para pular o obstáculo maior da idade que avançava, do tempo que escasseava nos calendários que ainda estavam por vir. Lia, estudava, fundei para mim a minha “oficina de versos” e diariamente passei a cuidar dos versos. Ao mesmo tempo em que temperava as saudades do filho falecido e que via a minha menininha se emancipar e cuidava da minha mãe como um bebê de noventa anos mergulhava na minha “oficina de versos” e brincava com as letras de forma agradável e lúdica dando rasteiras no sofrimento. Viva, eu estava viva! Isso me bastava. “Até aqui me trouxe a mão do Senhor”, pensava e me encorajava na fé.
                      Aos noventa e seis anos despedi-me para sempre da minha mãe. Agora, sem eles, o que fazer? Como prosseguir? Da cuidadora de pacientes mentais nasce a cuidadora de versos que passa a semear letras nas estrelas, que passa a montar nos raios de sol, que passa a enxergar o invisível a cada emoção sentida, a viajar nas trilhas dos eventos literários com premiações diversas e constantes.
                        Saí dos miligramas das tarjas pretas para lidar com o universo das palavras que me fascinaram sempre, desde a infância. Participo hoje de muitas associações e academias literárias. Meus poemas já foram publicados em português, espanhol, francês, italiano e grego, tendo hoje inúmeras antologias publicadas em vários estados do Brasil e no exterior.
                         Quando interpreto os meus poemas em eventos culturais lembro-me de que na mágica da vida passei a ser “cuidadora de versos” cultivando jardins colhendo flores, mesmo em dias de temporal. Saio hoje aposentada para fazer oficinas nas escolas somente pelo prazer de dividir o gosto pelos versos, pela leitura QUE CONSTRÓI desarmando o mundo pela emoção da palavra.

                          A Medicina honesta, competente, dos profissionais que se tornaram grandes amigos foi, sem dúvida, a tábua de salvação que não me deixou afundar naquele naufrágio aliada à fé que me edificava nos caminhos de Deus. Venci, superei, transpus a violência das ondas daquele mar bravio e me mascaro de saltimbanco saindo por aí despreocupada fincando as minhas novas estacas na arte da palavra como fonte de vida. Viva a vida!!!

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